Pra quem é velho de guerra no mundo dos RPGs isométricos para computador (CRPGs), os nomes Tim Cain e Chris Avellone são bem conhecidos. Ambos os nomes têm raízes na Interplay, companhia responsável por jogos como Fallout, Baldur’s Gate e Icewind Dale. E é com base nessa era dos RPGs para computador e com esses dois nomes da equipe, que a Obisidian Enterteinment (Fallout: New Vegas, South Park – Stick of Truth), iniciou um Kickstarter em 2012 chamado Project Eternity, que conseguiu arrecadar 4 milhões de dólares. Após 3 anos de avalanches de ideias e o suporte para publicação da Paradox Interactive, Pillars of Eternity chegou ao público. E posso dizer que chegou muito, mas muito bem.
Fazer um review de Pillars of Eternity não é uma tarefa fácil. O jogo em si é bem complicado e de uma profundidade ímpar, coisa que não vejo há algum tempo nos jogos eletrônicos.
Qual que é a do Pillars of Eternity
Em Pillars você é um aventureiro que, após esbarrar com um homem misterioso, descobre seus poderes de Watcher (alguém que pode ler a alma das pessoas), podendo ver acontecimentos do seu passado e dos outros. Esse poder pode, porém, levar seu portador à loucura. Então cabe a você a caçar o homem misterioso e reverter a sua situação. Mas é claro que as coisas não serão tão fáceis assim, e você vai acabar descobrindo uma conspiração que pode colocar o destino daquele continente em jogo.
Como já disse, o jogo é baseado nos jogos de RPG isométricos antigos, que por sua vez eram baseados nos livros de RPG de mesa do Dungeons & Dragons – ou seja, há muitos elementos para a construção de personagens e do mundo: Prepare-se para uma das maiores e mais épicas das aventuras.
Para quem está mal acostumado com cenas épicas e hiper detalhadas, jogos com ações rápidas e poucas escolhas, vai estranhar esse contato inicial com o Pillars of Eternity. Pra começar, o jogo não é muito bonito, ver os personagens de perto não é o que se pode chamar de “beleza digital,” o que já é um retrocesso, isso sem falar em alguns problemas na qualidade da textura. Mas para nos poupar desses problemas, ele não tem um apoio visual muito grande, muita coisa é descrita através de textos, cenários e ações que fazem a imaginação do jogador trabalhar – assim como ler um livro. Inclusive existem sessões que funcionam como aqueles livros de RPG, que te dão escolhas do que fazer em um determinado momento.
Quem é você?
Logo nos primeiros minutos, Pillars of Eternity te apresenta o melhor tipo de customização de personagem nos RPGs: Nada de perder 40 minutos ajeitando o nariz, a posição da sobrancelha, ou se terá um personagem beiçudo ou com cicatrizes. Inspirado nos jogos do Dungeons & Dragons, logo de início ele quer saber: O que você quer ser? Um monge humano? Um rogue anão? De onde você é? Qual seu background? Era um escravo? Explorador? Enfim… São 11 classes e 6 raças (sendo três originais do mundo do Pillars) que também são divididas em subraças para escolher. E tudo isso não é algo em vão, pois cada escolha influencia nos atributos do seu personagem, e não só isso, como também influenciam nos diálogos com outros NPCs durante a aventura.
Além dos atributos, suas escolhas nos diálogos também influenciam a rota do jogo, assim como também definem a personalidade do seu personagem e mexem com a reputação dele diante de outros NPCs e facções. Durante alguns diálogos, algumas opções de resposta vão aparecer informando qual tipo de reputação elas se baseiam ou alteram. Quer que as pessoas tenham medo de você? Dê mais respostas agressivas e cruéis. Quer que acreditem no que você diz? Seja honesto. Que gostem de você? Seja mais benevolente. Mas cuidado, se for bonzinho demais, podem abusar da sua boa vontade. Se for sarcástico demais, as pessoas podem não te levar mais a sério. E por aí vai. Chamadas de Disposition, todas essas respostas influenciam em como seu personagem é conhecido dentro do mundo de Pillars.
Companheirismo
Já que o Pillars of Eternity é um RPG Party Based, claro que não podemos deixar de fora os integrantes da party. São 8 personagens no total, cada um de uma raça e classe diferentes para suprir a demanda na hora das batalhas; que vão desde as classes mais tanks, para segurar os inimigos na linha de frente, quanto os de suporte e baseados em magia, pra causar um dano gigantesco, enquanto se protegem na linha de trás.
Além disso, cada personagem encontrado pelo meio do caminho conta com um background, e uma quest pessoal que dá sequência a essa história. Ou seja, não são apenas simples NPCs para dar suporte na batalha, todos eles possuem uma boa profundidade e uma história própria que, no fim, acabam se entrelaçando com a sua e a quest principal. É fácil sentir empatia pela ranger anã, Sagani, que está na estrada há cinco anos procurando alguém que foi muito especial para sua tribo. Ou ficar curioso pela história do Mago elfo, Aloth, que possui uma outra alma em seu corpo (que fala bastante besteira e vive o colocando em situações de perigo.) A única coisa que todos eles compartilham em comum é que estão em busca de algo, querendo se encontrar, dentro daquele mundo de fantasia caótico.
Mas caso tenha perdido algum personagem em batalha ou queira se aventurar e montar uma party customizada, é possível “contratar” alguns integrantes indo nas tavernas. Esses personagens não possuem backstory ou uma quest. São personagens montados por você, do zero, ou seja, escolhendo sua classe, raça, atributos, etc. É uma adição excelente, abrindo um leque para o jogador brincar do jeito que quiser.
As difíceis batalhas
Quem já quer queimar a largada e começar o jogo na dificuldade hard ou extreme, esperando um nível de desafio razoável, mas que possa passar sem suar demais igual encontramos em diversos jogos atuais, pode acabar quebrando a cara de uma forma muito feia. Aqui as batalhas são difíceis, bem difíceis. Ainda mais para quem não pegou o “esquema” do jogo ainda.
As batalhas exigem um nível de microgerenciamento bem grande, ainda mais nas dificuldades mais altas. Será necessário pausar as batalhas nos momentos certos, gerenciar cada habilidade, posição, movimento dos personagens, despausar, deixar as ações acontecerem, pausar de novo, repetir o processo, etc. É possível também selecionar o modo como cada personagem agirá durante as batalhas através de um sistema de inteligência artificial. É um sistema essencial para configurar, já que sem ele os personagens podem deixar de atacar algum inimigo, mesmo que estejam em batalha, precisando que o jogador sempre dê uma ação para eles.
Mas nem sempre a estratégia ajuda a te salvar dos problemas que as batalhas vão apresentar. Já a começar quando estamos em uma área onde encontramos muitos inimigos, que somados aos 6 personagens da party e os summons ocasionais tornam o campo de batalha um caos, e encontrar seus personagens em meio a tanto efeito de luz, magia e inimigos se torna uma tarefa bem difícil, quanto mais conseguir selecionar um inimigo para eles atacarem. Outro problema na hora das batalhas é quando os personagens bloqueiam os caminhos uns dos outros, ou seja, batalhas em corredores se tornam um pequeno problema, já que apenas um ou dois personagens poderão alcançar os inimigos, enquanto outros, se não disporem de lanças, arcos ou magias, mal poderão tocar nos inimigos e o que só os resta é correr de um lado pro outro. E para piorar, é possível configurar a inteligência artificial para que um dos personagens invoque summons automaticamente, sejam caveiras, trolls e outros seres, provocando um amontoado de gente nos corredores.
A Fortaleza
A Stronghold é uma das minhas partes preferidas do jogo. Ela é nada mais do que uma base para o jogador gerenciar, construir melhorias, proteger, receber NPCs, ganhar dinheiro e enviar os companheiros da party que estão sobrando para aventuras para que, assim, estes voltem com mais experiência, itens e reconhecimento. Esta foi, inclusive, uma ideia extremamente bem vinda, e é algo que eu sempre sinto falta em alguns RPGs party based com aquela “gordurinha” de personagens que ficam sem fazer nada parados em algum lugar. Algumas tarefas podem levar dias (do jogo) ou turnos da fortaleza, que só passam a cada quest realizada pelo jogador.
Além disso, ela possui uma dungeon de 15 andares abaixo dela. Não é uma dungeon obrigatória, mas conta uma história paralela e oferece desafios ainda maiores do que o jogo principal. Ela só existe porque foi uma das goals durante a campanha no Kickstarter do jogo.
Quests, Subquests e Tasks
Pillars não é nenhum Skyrim, mas possui uma boa quantidade de quests para o jogador fazer. Quem gostar de explorar de cabo a rabo vai aproveitar umas 70 a 80 horas de jogo, sendo que, ao fazer boa parte das quests de ¾ do jogo, já é possível alcançar o level cap (nível 12, ou 14 com a DLC The White March).
O jogo divide todas as tarefas dadas ao jogador em Main Quests, Quests e as sidequests, que geralmente são rápidas de fazer e dão uma quantidade razoável de experiência. Já as Tasks são sidequests menores e bem rápidas de serem realizadas. As sidequests vão desde destronar um lorde que ficou maluco e está matando todo o pessoal de uma vila apenas por seguirem um certo deus, até adquirir um amuleto e devolver ao seu portador por direito. Enquanto as tasks podem ser recompensas sobre a cabeça de vilões ou resolver a disputa entre um mercador e um freguês revoltado.
No final…
Pillars of Eternity é um projeto muito bem sucedido no Kickstarter, cumpriu o que prometeu e pode agradar muitos fãs clássicos do estilo e talvez angariar alguns novos ao gênero. Apesar de contar com alguns bugs que poderiam ter sido corrigidos nos patches que já saíram, e contar com inúmeras telas de loading que aparecem a cada transição de cenário, Pillars é um jogão que não pode passar despercebido. Apenas comece jogando no easy para se acostumar com o estilo das batalhas, quando se sentir seguro, passe para uma dificuldade maior. Só cuidado, nas dificuldades mais altas, nenhum erro na estratégia será perdoado.
Pillars of Eternity
Prós
- Batalhas imersivas, dependendo de muita estratégia
- A história faz o jogador seguir adiante para saber mais e mais do que está acontecendo com aquele mundo
- Customizar uma base só sua e colocar os personagens que estão sobrando para realizar algumas tarefas
- O leque de opções gigante na hora de criar seu personagem
Contras
- Bugs inexplicáveis, como personagens indo parar do outro lado de uma dungeon sem motivo aparente
- Durante as batalhas os personagens podem ficar malucos, correndo de um lado pro outro, ou sem fazer nada até que você force uma ação
- Telas de loading a cada transição de área, que podem acabar tomando mais tempo do que deveriam